sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

água nos olhos, parte quatro

adrielly não queria transparecer ansiedade. mas corria os olhos pretos e sagazes ao telefone sempre que podia, esperando que ele tocasse. e atendia, em um instante, todas as operadores de telemarketing, cobranças de banco e parentes distantes. estremecia quando isabella não parava de chorar, e o telefone não parava de tocar, e tal sinfonia transformava-se em marteladas constantes em sua paciência. tinha medo que ele nunca mais fosse ligar, e que todos os seus esforços em tentar ser uma boa menina, uma menina para casar, tinha sido em vão. embora ela tenha visto alguma coisa em seus olhos. alguma coisa que dissesse à ela que queria ficar aninhado em seus braços. mas do que estou falando? talvez ninguém tenha me olhado assim. e isso fazia toda a diferença. certo dia, o telefone rangeu sua orquestra de esperança. mas a voz que atendeu do outro lado, transformou-a em desespero.
- como vai, docinho?
desligou o telefone em um clique impiedoso. quis chorar, e olhou para a sua menina. ela correspondeu o olhar, com aqueles verdes gélidos a fitá-la. que porra de olhos são esses, isabella? que porra de olhos são esses que me desgraçam. o telefone tremeu em sua mão. de novo. o martelar inconstante da proximidade de uma tempestade. o vento que sopra por trás dos cabelos e anuncia o fim do mundo.
- não desliga, docinho. eu não vou fazer nada de mal à você. como tá a nossa princesa?
os seus lábios tremiam. o seu coração dilacerava-se.
- tá bem. ela tem os seus malditos olhos.
- deixa eu ver ela, docinho. dar um dinheiro, você não quer?
- não quero nada de você. fica longe.
foi impetuosa em dizer. a sua mãe bem que queria um dinheiro. a situação tava cada vez mais difícil em casa. mas ela não podia fazer isso. ela não iria conseguir. sua garganta parecia ter-se fechado em um nó amargo.
- docinho, eu sei que você precisa. a gente pode conversar, eu sinto falta de você, você ainda tem aquele seu cheiro? e a princesa, deve ser linda, com os olhos do paizão.
desligou o telefone. arrancou o fio da parede, os olhos encharcados. aquela voz entorpecera todos os membros do seu corpo, medo acovardado e um pouco de excitação sem razão. apoiou-se na parede, tentando controlar seu desespero duplo, segurar seu choro auto-acusatório. sua filha olhava-a com interesse, os olhos grandes e assustados.
- por mim você nunca vai conhecer esse desgraçado, viu?
- gaçado, mã?
correu até o quarto e deixou-se chorar, feito uma criança que confunde uma sombra com um monstro. isabella ficou quieta, e pela primeira vez, não chorou... talvez entendesse que sua mãe precisava tanto das lágrimas como ela.


(hum, acertei no título UMA vez na minha vida, haha.)

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