terça-feira, 3 de março de 2009

água nos olhos, parte seis

parou em alguma padaria iluminada por uma luz fraca. despiou-a com os olhos e disse em um tom confiante que esperasse por ele. adrielly desfocou o olhar para fora, talvez incomodada com tamanha segurança.
- e se eu for embora?
ele procurou os sinais em seu rosto que mostravam que aquilo fosse qualquer piada fora de hora. mesmo sem encontrar, respondeu, mostrando um sorriso de deboche.
- então vou amarrá-la.
beijou-a, apertando sua cintura fina e quebradiça com força. saiu apressado, e olhava para trás, com certo ar receoso. vendo-se sozinha, sentindo o escuro que dominava lá fora e uma neblina fraca e cinza que congelava cada resquício de desejo, lembrou-se da voz atormentadora que a procurara no início do dia. quis respirar, sair, ficar sozinha, chorar mais um pouco, deixar a dor passar, se misturar às outras dores conformadas, costurá-la à sua alma remendada. descobriu que estava trancada. pôde apenas desenhar, com os dedos, formas esquisitas nos vidros grossos. o que diria à ele? seus olhos já estavam em ponto de desaguar, novamente, quanta água havia ali? viu um vulto difuso se aproximando. deveria dizer, me leve para casa, me leve, por favor.
ele exibia um sorriso radiante quando entrou dentro do carro, o vinho já aberto, dera uma golada imensa no gargalo.
- não faço isso desde os meus dezoito anos!
ofereceu-lhe o vinho, enquanto afastava as tiras inconvenientes de vestido, alisando sua pele fresca e jovem. ela tomou-o, indiferente e quieta.
- que te acontece, dri?
- me levaria para casa?
tomou-se dele incrédula impaciência. que diabos de mulher era aquela? por que não abria logo essas pernas, por que não acabava com este jogo difícil, tal tormento sem sentido? fechou a cara, e colocou as mãos no volante, a ponto de desistir, de deixá-la, que se fodam essas moreninhas, essas mães carentes, frustradas.
- não, eu não te levaria.
digiriu até uma esquina escura, em uma arrancada ruidosa.
- vamos lá, moreninha, você está tão linda, tão perfumada... já lhe disse como gosto de seus olhos? são olhos de predadores, eu estou aqui inteiro por você... vamos lá, não vai doer nada, eu sou um cara decente, eu posso te dar todo carinho que sua carência grita.
beijava suas bochechas, seus olhos, as pontas miúdas dos dedos, enquanto falava, em quase apelo. dentro de si, o círculo se fechava, sentia-se todo homem, sentia-se todo desejo e toda vontade de devorar.
ela lhe olhava curiosa, olhares cheios d'água. ainda parada, a cona contraía-se um pouco.
- você quer muito isso? promete... que não vai me deixar? eu sou tão abandonada.
- eu sei, meu amorzinho, eu sei, vamos logo, vamos logo.
- você vai me deixar, você vai me deixar, você vai me deixar, você vai...
subira em cima dela, enfiava a sua língua por calá-la, despia-a sem pudor. tombou o banco para trás, ouvia seu gemido distante.
- não, não, doutor, não.
mordeus seus bicos pequenos, marrons, lambeu seu umbigo, a barriga lisa, gemeu baixo.
- não, não, doutor, não.
voltou a ver a cara, a cara encharcada de lágrima, os olhos dela cheios de pura água, havia tanto pranto pra ser desperdiçado!
- mas que que é? por acaso, és virgem?
riu alto, beijou-lhe a boca.
- chora, não, chora não, eu estou aqui, eu não vou fazer nada.
- eu tenho medo, medo, que você seja igual á ele.
ela nua, toda nua, um sonho, quase uma criança, seu pênis em ardência, quanta criança. ele nu, todo branco, um pouco gordo, a boca escancarada, toda a virilidade.
- eu não sou igual à ninguém, ora essa, eu amo você, eu amo a sua filha, vamos logo, abre isso.
ela gritou alto, ele teve que tapar-lhe a boca, queria concentrar-se no seu delírio, guardar de como ali era quente, era apertado, era amor. ela ainda chorava, se sabia toda molhada, tinha acabado de ouvir, amo... amo você, sua filha, olá, mamãe, você conseguiu. ela ofegava, um pouco suada, gemia baixo, as lágrimas cessaram. na sua mente, de olhos fechados, ela o via. mais novo, mais moreno, mais barbudo, nem um te amo. e depois de tanto chorar, tinha-se descobrido toda êxtase, flutuante, em águas rasas, das próprias lágrimas, de desejos frívolos, de pedidos carentes, de passados recentes. e, entre um corpo e outro, um vinho se espatifara, quase sem ruído, mas a tudo alagava, pintando com cor de sangue o que não se percebia de olhos fechados.

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