sexta-feira, 26 de junho de 2009

água nos olhos, parte dez

- você tá muito bonita, adrielly.
quem entraria com ela era o seu tio, na falta de um pai há muito ausente que apenas deixara uma aposentadoria. adrielly lhe sorriu, nervosa. os cabelos negros se intercalavam com flores brancas e naturais. quis deixá-los soltos, a cobrir as costas morenas à mostra. apertava os caules, nervosa, das rosas vermelhas em forma de buquê que trazia em suas mãos. seu peito arfava, e era tanta felicidade dentro dela que achava que explodiria. o carro parecia andar muito lentamente, e os ponteiros do relógio do seu tio pareciam zombar de sua felicidade. lá fora, o mundo apenas passava sem que ela prestasse atenção em qualquer imagem, apenas na sua própria dando os primeiros passos de seu sonho realizado. mal percebeu quando o carrou parou diante da imponente igreja que se erguia como um monumento de promessas e juras infindas. o motorista lhe abriu a porta, e ela esticou as pernas levemente e saiu com delicadeza. seu tio disse-lhe que ia fumar um cigarro para lá, pois não queria estragar seu perfume. ela consentiu, silenciosa. não queria falar nada, pois tinha medo que qualquer palavra ou ação imprevisível pudesse estragar tal momento tão esperado.
viu-se sozinha na escada da igreja. repentinamente, sentiu mãos frias tamparem seus olhos.
- o que é? tio, você vai estargar minha maquiagem.
e a voz no seu ouvido, baixa como um sussurrar de cobra cascavel, apavorou-a.
- não sou seu tio, doçura.
sentiu a brisa de suas palavras eriçarem os pêlos da sua nuca. agarrou aqueles dedos dominantes e tirou de seus olhos. queria comprovar, com todos seus sentidos atentos, a desgraça consumada, emudecida em seu medo mais terrível. diante dela, se portava como anos atrás, aqueles olhos verdes glaciais.
- que é que você faz aqui, caralho?
ele riu, um riso de lobo, que mais lhe parecia um uivo. só agora percebia como seus dentes amarelados pelo fumo eram pontudos.
- caralho, digo eu, doçura, como é que você se casa e nem me convida?
sentiu seu bafo de álcool e a impetuosidade daquela voz, que era vacilante e imponente ao mesmo tempo. olhou para os lados, procurando por alguém, clamando por seu tio.
- vai embora. me deixa ser feliz...
- feliz? como você acha que eu me sinto? qual é seu plano, princesa? vai colocar o nome desse babaca na nossa filha também? não, deixa eu adivinhar. aposto que você só se casou com ele porque ele tem dinheiro. certa você. mas eu duvido, ah... eu duvido... duvido que ele te fez feliz como eu.
seus olhos verdes inundavam-se em lágrimas, mas logo as limpou com as costas da mão. pegou, com suas mãos um pouco molhadas, nos braços despidos de adrielly.
- me solta, eu vou chamar meu tio.
- calma, doçura, eu só estou te lembrando como você gosta do meu toque... e seu tio... seu tio não vai acordar por muito tempo.
riu novamente.
- o que é que você fez com ele, seu animal?
- nada, calma. eu não ia apagar o velho. mas pára, pára de gritar. eu só quero conversar com você. vem aqui.
ele a puxou para perto de seu corpo. acariciava sua cintura ornamentada, afagava seus cabelos longos.
- vem, foge comigo. deixa a isabela aí. vem, vem comigo, vem, amor, vem, doçura. aqui, eu sou teu homem, só teu.
adrielly sentia aquelas mãos percorrem seu corpo, as lágrimas despencavam de seus olhos, a garganta ardia, como um nó, um nó dentro da sua alma, que arranhava sua ferida mais exposta, ainda mal cicatrizada, que ardia, sangrava, sangrava. tentou se desvenciliar, mas percebeu que quanto mais seu corpo se rebelava, ele a apertava mais contra seu corpo.
- por que você tá chorando, doçura?
sua boca tremia.
- não me machuca, por favor.
- por que diz assim? eu nunca te machuquei. você é minha menina, só minha.
ela beijou seu pescoço.
- como você tem coragem de dizer isso? você... acabou comigo... me deixa... em paz. me deixa, agora, ou eu vou gritar.
adrielly sentiu as lágrimas quentes dele molharem seu ombro. os dois soluçavam baixo, quase em harmonia, a disperdiçar lágrimas que lhes faltariam no futuro, por chorarem eternamente pelas imagens do passado.


(e se fosse um filme, filmaria adrielly ao som de 'morena dos olhos d'agua - chico buarque'.)

4 comentários:

  1. A gente filme um dia, Marizinha. Vou ficar feliz, porque está bem foda. Tudo.

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  2. Me deixa muito curiosa. Se você não fizer este até o fim, eu te mato.

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  3. Sou atrasada,mas calma,eu vou ser uma médica rica,e ter uma vida de cineastra paralela,e a gnt vira sócia,e grava esse filme,com gael no elenco .
    TA MUITO FODA.

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